28 de mar. de 2021

4/4 - Modelo de Integração entre Ciência e Religião

 

A 4ª e última maneira de relacionar C&R é a Integração. Este modelo é mais amplo que o do diálogo em sua unificação da ciência e da teologia. A integração dá um passo além, a fim de alcançar maior unidade conceitual. Por esse motivo entende-se que seja um dos maiores desafios, talvez o alvo a ser atingido.

Como exemplo desta abordagem cito Charles Raven, teólogo britânico, que insiste que devemos “contar uma única história que trate de todo o universo como uno e indivisível”. Assim, ele argumenta que os mesmos métodos básicos devem ser usados em todos os aspectos da busca humana por conhecimento, seja religioso ou científico. Raven resiste vigorosamente a qualquer tentativa de dividir o universo em componentes “espirituais” e “físicos”.

        Apesar de considerar o modelo de diálogo mais satisfatório, Barbour é muito simpático a essa abordagem, e tende a apresentar as 4 opções como estágios de uma jornada intelectual de descoberta, semelhante a uma evolução natural do intelecto (Conflito < Independência < Diálogo < Integração). McGrath faz uma analogia com que chama de “viajante intelectual”, como no clássico livro de John Bunyan (O Peregrino), em que o estudante geralmente começa com Conflito entre ciência e religião por conta de seu conhecimento incipiente de ambas as esferas do conhecimento; seguido por um breve e insatisfatório flerte com a Independência, para iniciar uma fase pacífica e conciliatória; e finalmente encontrar um local de descanso satisfatório no Diálogo ou em alguma forma de Integração. Quantas histórias semelhantes a esta nós podemos encontrar?

Para Barbour, os modelos de Conflito e Independência estão errados, enquanto as abordagens de Diálogo e Integração estão corretas.

Referências:

BARBOUR, Ian. G. Quando a ciência encontra a religião: Inimigas, Estranhas ou Parceiras. São Paulo: Ed. Cultrix, 2000.

GARROS, T. Ciência e Religião em Perspectiva: inimigas mortais ou amizade a ser (re)descoberta? – Parte 2. 2017. Disponível em: https://www.cristaosnaciencia.org.br/ciencia-e-religiao-em-perspectiva-parte-2/. Acesso em: 28 fev 2021.

MCGRATH, A. Ciência e religião: fundamentos para o diálogo. Tradução de Roberto Covolan. - 1. Ed. – Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2020. 352 p.

STANFORD ENCYCLOPEDIA OF PHILOSOPHY. Religion and Science. Disponível em  https://plato.stanford.edu/entries/religion-science/ Acesso em 14 mar 2021.


3/4 - Modelo de Diálogo entre Ciência e Religião

Nós vivemos na “era da informação”, sendo cada vez mais raro a publicação de estudos feitos por apenas um pesquisador. Um estudo de 2020 aponta que cresceu nos últimos anos o número de publicações científicas assinadas por mais de mil autores (um fenômeno conhecido como hiperautoria). Existem diversas explicações para este fenômeno (pesquisas globais e colaborativas, uso de equipes e equipamentos, redução de custos, etc). Assim, o pesquisador solitário está se tornando cada vez menos viável para grandes inovações científicas. (ANDRADE, 2020 – FAPESP).

Seguindo este pensamento colaborativo, o modelo do diálogo é uma terceira maneira de entender a relação entre Ciência e Religião, levando a uma melhor compreensão mútua entre ambas.

O filósofo americano Alvin Plantinga, em seu livro Ciência, religião enaturalismo: onde está o conflito? (2018 - Editora Vida Nova) diz que “apesar de haver um conflito superficial, há uma convergência profunda entre a ciência e a religião teísta”; e, apesar de haver uma convergência superficial, há um conflito profundo entre a ciência e o naturalismo” (que ele chama de quase-religião). Essa observação nos leva à pergunta: “Há divergências entre as duas esferas?”. E a resposta é que sim, há divergências sim. Mas acredita-se também que esses dois parceiros de conversação podem aprender um com o outro.

Alister McGrath, químico, biofísico e teólogo, um dos mais maiores autores da atualidade no estudo de ciência e religião diz que: “Nem a ciência nem a religião podem fornecer uma descrição total da realidade. No entanto, juntas elas podem oferecer uma visão estereoscópica da realidade negada àqueles que se limitam à perspectiva de apenas uma disciplina” (MCGRATH, 2019 – pg 17). É no mínimo questionável um cientista limitar suas perspectivas e potencialidades em conhecer as realidades disponíveis. McGrath ainda argumenta que o diálogo entre C&R nos permite apreciar identidades, forças e limites distintos de cada parceiro de conversa, e nos oferece uma compreensão mais profunda das coisas do que a religião ou a ciência poderiam oferecer por si só.” (MCGRATH, 2019 - pag. 20). Além disso, McGrath, que é professor e diretor do Centro Ian Ramsey de Ciência e Religião da Universidade de Oxford, sugere que ciência e religião são capazes de interagir em um diálogo significativo sobre algumas das grandes questões da vida, mas não como uma conversa acolhedora e não crítica, muitas vezes tendendo a uma agradável, mas injustificada assimilação de ideias. A ideia dele é um diálogo robusto e desafiador (quase que uma banca de doutoramento), investigando questões profundas e potencialmente ameaçadoras sobre a autoridade e os limites de cada participante e cada disciplina.

A ciência pode purificar a religião do erro e da superstição, a religião pode purificar a ciência da idolatria e dos falsos absolutos”. Nesta célebre frase, o papa João Paulo II parece incentivar o diálogo entre C&R, ao passo que o Papa Bento XVI propõe, por sua vez, uma relação de autonomia e distinção, lembrando mais a abordagem da independência, mas nunca uma oposição (AGOSTINI, 2013). Outra frase constantemente citada é “a ciência sem a religião é manca, a religião sem a ciência é cega”. Essa frase é do físico e ganhador do prêmio Nobel Albert Einstein e, apesar de seu conceito peculiar de religião, traz robustez à possibilidade do diálogo ao invés do conflito.

Após essas duas famosas citações no debate de C&R, pode-se dizer que as explicações científicas e religiosas assumem formas diferentes, mesmo quando refletem sobre as mesmas observações. Assim, abordagens dialogais permitem ou incentivam o aprimoramento ético, estético e espiritual de determinadas questões e, pensando em potencializar a construção do conhecimento, é desejável fomentar o diálogo ao invés do conflito. Ian Barbour, o físico e teólogo americano proponente desta tipologia em 4 modelos, considera esse provavelmente o modelo mais satisfatório do possível leque de abordagens.

Referências:

AGOSTINI, N. Igreja católica e ciências: por uma cultura do diálogo e da vida. Revista Pistis & Praxis: Teologia e Pastoral, vol. 5, núm. 1, enero-junio, 2013, pp. 185-205.

ANDRADE, R.O. Escrito a muitas mãos. Pesquisa Fapesp, n. 289, 2020. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/escrito-a-muitas-maos/ . Acesso em 13 mar 2021.

BARBOUR, Ian. G. Quando a ciência encontra a religião: Inimigas, Estranhas ou Parceiras. São Paulo: Ed. Cultrix, 2000.

GARROS, T. Ciência e Religião em Perspectiva: inimigas mortais ou amizade a ser (re)descoberta? – Parte 2. 2017. Disponível em: https://www.cristaosnaciencia.org.br/ciencia-e-religiao-em-perspectiva-parte-2/. Acesso em: 28 fev 2021.

MCGRATH, A. Ciência e religião: fundamentos para o diálogo. Tradução de Roberto Covolan. - 1. Ed. – Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2020. 352 p.

STANFORD ENCYCLOPEDIA OF PHILOSOPHY. Religion and Science. Disponível em  https://plato.stanford.edu/entries/religion-science/ Acesso em 14 mar 2021.


2/4 - Modelo de Independência entre Ciência e Religião

 

As controvérsias identificadas no modelo de conflito geram desconfiança e questionamentos. Pensando em “preservar a integridade” tanto da ciência quanto da religião, é possível identificar uma segunda abordagem dessa relação, a da Independência. Essa insiste que C&R são esferas da realidade completamente independentes e autônomas, com suas próprias regras e linguagens. “A ciência tem pouco a dizer sobre crenças religiosas e a religião tem poucos a dizer sobre o estudo científico (MCGRATH)”.

Um dos mais conhecidos representantes dessa abordagem é o Paleontólogo Stephen Jay Gould, que propôs os “Magistérios Não Interferentes”, onde ciência e religião ocupam domínios ou áreas de autoridade/competência bem-definidos, que não se sobrepõem ou se cruzam. A regra de Gould é clara: esses dois magistérios, a ciência e a religião (que não cobrem toda a experiência humana), lidam com assuntos diferentes, e então não devem se intrometer na competência alheia. O físico brasileiro Marcelo Gleiser é outro importante representante desse modelo. 

É comum ouvirmos que a ciência se interessa pelo tempo e a religião, pela eternidade; a ciência estuda como funciona o céu e a religião, como ir para o céu. Nós utilizamos com frequência uma variante dessa abordagem dada pelo teólogo americano Langdon Gilkey (1959 – Criador do céu e da terra) que diz que as Ciências Naturais estão preocupadas em fazer perguntas sobre o “como” (lidando com causas secundárias = interações dentro da esfera da natureza), enquanto a teologia faz perguntas sobre o “por que” (relacionadas com as causas primárias = origem e propósito fundamentais da natureza).

Ao olhar dessa forma independente nenhuma conversa é necessária e nem mesmo possível, nem o conflito se justifica, o que caracteriza essa abordagem, de certa forma, como pacificadora. Esse pacifismo resulta numa grande popularidade nos círculos teológicos e científicos, pois fornece liberdade para acreditar e pensar no que prezam os atores em seus próprios campos (ou magistérios) sem forçar uma relação entre eles.

Entretanto, Barbour aponta que a abordagem de independência inevitavelmente compartimentaliza a realidade uma vez que não experimentamos a realidade dessa forma, tão nitidamente dividida, mas em sua totalidade e interconectividade. Ele defende que estes magistérios não podem evitar algum grau de sobreposição e interação, ou seja, eles não são completamente separados.

Assim, podemos perceber a postura de independência muito menos problemática que a abordagem do conflito, embora incompleta. Em tempos de polarização de ideias e extremismos em todas as áreas da nossa vida, incluindo grupos de whatsapp da família, um simples olhar conciliador já fornece benefícios mínimos para o desenvolvimento basal de ambos os campos de estudo.


Referências

BARBOUR, Ian. G. Quando a ciência encontra a religião: Inimigas, Estranhas ou Parceiras. São Paulo: Ed. Cultrix, 2000.

GARROS, T. Ciência e Religião em Perspectiva: inimigas mortais ou amizade a ser (re)descoberta? – Parte 1. 2017. Disponível em: https://www.cristaosnaciencia.org.br/ciencia-e-religiao-em-perspectiva-parte-1/. Acesso em: 28 fev 2021.

MCGRATH, A. Ciência e religião: fundamentos para o diálogo. Tradução de Roberto Covolan. - 1. Ed. – Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2020. 352 p.

NUMBERS, RL. Terra plana, Galileu na prisão e outros mitos sobre religião e ciência. Tradução de Aline Kaehler – 1. Ed. – Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2020. 336 p.

STANFORD ENCYCLOPEDIA OF PHILOSOPHY. Religion and Science. Disponível em  https://plato.stanford.edu/entries/religion-science/ Acesso em 14 mar 2021.