29 de dez. de 2020

Por que BioTóxico?! (parte 2)

 


Para se ter uma ideia da importância da palavra tóxico para mim, o título deste blog foi criado em 2008, enquanto ainda cursava o mestrado e dava muitas, mas MUITAS aulas. E o mais interessante é que retomo as atividades do blog e escrevo este texto em 2020, durante o isolamento social da maior pandemia que o planeta já viu, a da COVID-19, em que as pessoas podem efetivamente ser “tóxicas” ao transmitir o vírus de pessoa para pessoa. Além disso, escrevo numa época em que as pessoas já eram classificadas como tóxicas antes mesmo da pandemia, independentemente de portar um vírus transmissível. Uma rápida busca na internet nos dias atuais e você pode saber se é ou não uma pessoa tóxica, e se vive em um relacionamento tóxico ou não. Talvez este texto poderá ser classificado como tóxico (mas existe uma boa razão para isso). Entretanto, não sou psicólogo e nem quero entrar na discussão da toxicidade presente na sociedade, pelo menos não agora. Meu objetivo é outro, é pensar o porquê do nome BioTóxico. Mas para isso, precisamos definir o que é “tóxico”.

Uma substância considerada tóxica é aquela que pode causar sérios danos à saúde humana (não só) se ingerida, inalada ou entrar em contato com a pele, mesmo em pequenas quantidades, e inclusive levar à morte. Isso pode ser visto em acidentes com animais peçonhentos (acidente mesmo, pois uma picada de serpente, aranha ou escorpião dificilmente estará no script de vida de uma pessoa), na ingestão de alguma planta ou substância sintética (estricnina, por exemplo), e até no manuseio de alguns animais, como algumas espécies de cobra-cega (que não são cobras e sim anfíbios, tal como o sapo), cujo muco produzido por glândulas em sua pele possui substâncias capazes de atravessar a barreira das células epiteliais, e provocar algum grau de envenenamento. Como é possível, então, o título deste blog sugerir intoxicar-se com a vida se intoxicar é um verbo relacionado com a introdução de algo tóxico no corpo, podendo provocar a morte? (é a hora que você pergunta: - Tá louco, Gabizão?).

                Bom, neste caso, depende de qual vida estamos falando e aqui vai um pouco de biologuês. Vida não é algo fácil de ser definido nem mesmo para a biologia, que é a ciência que a estuda. Mas consideremos a vida uma condição, um atributo que diferencia o orgânico do inorgânico, os objetos animados dos inanimados. A vida biológica se manifesta de diferentes formas, e todas possuem a célula como sua unidade básica. Pense numa bactéria, por exemplo. A bactéria é considerada um dos seres vivos mais simples e primitivos, constituída de uma única célula (ou seja, é unicelular), e o seu DNA fica solto em seu citoplasma (e por isso é classificada como procarionte). Já um protozoário, como a ameba, por exemplo, também é um ser vivo unicelular, mas diferentemente das bactérias, o seu DNA fica contido numa estrutura envolta por membrana, conhecida como núcleo, e além disso, possui vários outros compartimentos internos também delimitados por membrana, chamados de organelas citoplasmáticas membranosas, como as mitocôndrias e o retículo endoplasmático, por exemplo (estas duas características classificam o tipo de célula da ameba como eucarionte). Mas mesmo entre dois seres vivos unicelulares, a maneira como eles mantêm sua condição “viva” é diferente entre eles.

Agora compare qualquer um destes seres unicelulares com um ser pluricelular, constituído por trilhões de células formando seu corpo, seja uma planta ou até mesmo um animal, como uma aranha, da qual já falamos anteriormente. Existem muitas semelhanças entre a vida de uma bactéria, de uma ameba e de uma aranha, como a necessidade de inúmeras reações químicas (um metabolismo pujante) para garantir a energia necessária para manterem-se vivas, seja buscando mais alimento ou fugindo de predadores, ou a capacidade de transmitir suas informações genéticas para gerações seguintes, entre outras situações. Mas também existem muitas e muitas diferenças nesta comparação, a começar pelo já citado número de células que formam seu corpo. Entretanto, ambos os seres possuem VIDA tal qual um ser humano, como você e eu.

                Agora que você já pensou em vida no âmbito biológico, falaremos sobre a sua vida e a minha (não, não vamos fazer competição de quem sofre mais ou medir o quão fantásticos nós somos, muito menos fazer fofoca da vida alheia, eu espero). Falaremos sobre a vida biológica humana e suas vertentes no próximo texto. Mas só para deixar uma pulga atrás da orelha (gírias idosas, nós temos aqui): um espermatozoide, um óvulo, uma única célula do seu coração, ou mesmo um neurônio, são exemplos de células vivas, ou seja, POSSUEM VIDA. É devido ao fato destas células serem vivas que o coração bate (tum tum tum, bateu), que o cérebro consegue decifrar a mensagem colocada aqui por meio destas letras, e que o espermatozoide nada em direção ao óvulo, e juntos conseguem fecundar e se desenvolver numa nova estrutura, também viva, o zigoto, e originar um novo ser (para aqueles que se reproduzem dessa forma). Essa vida é igual à nossa? Aliás, essa vida é comparável à nossa? Existem diferentes "níveis" de vida? Com essas perguntas percebemos como "Vida" pode ser algo tão comum e tão complexo.

27 de dez. de 2020

Por que BioTóxico?! (parte 1)

 


É impressionante pensar como “coisas tóxicas” sempre estiveram presentes em minha vida. Entretanto, o termo “tóxico” se tornou um sinônimo pra tudo que pode haver de pior na sociedade atual. Meu desafio será apresentar alguma reflexão sobre este assunto a partir daqui, numa sequência de postagens para justificar o título deste blog (e não que isso seja necessário).

Minha primeira lembrança de vida relacionada a algo tóxico é minha mãe (NÃO, ela não foi e não é uma pessoa tóxica), pois ela trabalhou no Centro de Assistência Toxicológica do hospital da cidade durante minha tenra infância no interior de São Paulo. Eu a acompanhava em suas aulas de farmacologia quando ela cursava a faculdade de farmácia e bioquímica (e sinceramente não sei o motivo dela me levar às aulas, mas eu ia todo pimpão), e achava muito legal os professores e estudantes vestidos de branco, o ambiente e o cheiro dos diferentes laboratórios, bem como a possibilidade de tocar nos animais empalhados da universidade. São muito vivas em minha memória as inúmeras vezes que ela chegava do hospital com frascos de vidro contendo um líquido incolor (às vezes já amarelados) contendo algum animal interessante lá dentro (aranhas, escorpiões e serpentes), que acabara de fazer uma vítima.

De meu pai também tive contato com tóxicos (leia-se “tóchicos”), pois ele era policial, e por muitas vezes deu palestra nas escolas da cidade sobre os perigos das drogas lícitas e ilícitas. Ele também levava frascos de vidro contendo porções das drogas mais conhecidas na época (crack, cocaína, maconha, haxixe, ecstasy, entre outras). Obviamente que em casa, meus irmãos e eu tínhamos acesso privilegiado a explicações mais detalhadas sobre cada uma das drogas, e ainda à forma como eram encontradas na sociedade e os estragos que fizeram na vida das pessoas envolvidas. Além disso, ele era envolvido com uma associação de apoio a pessoas dependentes químicas, e não raramente estávamos na chácara, contando ou ouvindo histórias relacionadas com estas substâncias tóxicas. Credito a ele o fato de ninguém ter problemas com “tóchicos” em nossa casa (somente alguns poucos casos de abuso de AAS infantil).

Outra lembrança “tóxica” que tenho, de um pouco mais tarde, foi a participação em diversos cursos sobre animais peçonhentos enquanto estava na faculdade de ciências biológicas. Lembro, com agradável nostalgia, três cursos que fiz na capital paulista. No primeiro deles, sobre anatomia de serpentes, eu precisava de alguém pra fazer dupla durante a aula, e convenci meu pai, um delegado de polícia da ativa àquela altura, a participar do evento comigo. O argumento persuasivo foi de que ele não colocaria as mãos em nada, mas teria a nobre função de fazer os registros fotográficos enquanto eu abria uma ou outra cascavel. Os outros dois cursos foram diretamente no Instituto Butantan, meu paraíso enquanto jovem cientista, sobre aracnídeos e anfíbios, os quais fiz com um grande amigo que a vida me deu (abraço, RafaSt). Tenho plena consciência que minha mãe influenciou (e muito) a minha escolha profissional, pois dentro da biologia, tudo o que leva a palavra TÓXICO me atrai até hoje, não só aranhas, sapos, serpentes, escorpiões e lacraias, mas a minha própria tese de doutoramento teve pitadas de ecotoxicidade, onde estudei o efeito tóxico de determinado poluente no ambiente aquático, mais precisamente em peixes de riachos.

Com essa “pequena” introdução iniciei a explicação do nome BioTóxico, escolhido em 2008, mas ainda há muito a se falar sobre o assunto, e trarei em partes.